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quinta-feira, 30 de junho de 2016

Memória em litígio

     Durante a Segunda Guerra Mundial, a França foi ocupada por um governo totalitário, autoritário, ditatorial, genocida. Em meio aos franceses surgiu um grupo que pegou em armas, executou missões de sabotagem, assassinou militares nazistas, se apropriou de patrimônio de franceses que apoiaram as forças nazistas de ocupação. Lá estes foram chamados de "resistência". A população francesa presta homenagem a estes indivíduos até hoje.

      Aqui no Brasil, aqueles que usaram a violência e se levantaram contra regimes tirânicos, autoritários e ditatoriais são chamados de terroristas. Palavras usadas para caracterizar o passado são escolhas ideológicas. A esquerda construiu uma memória sobre aqueles que tombaram lutando contra a ditadura heroicizando-os, mas como é sabido que heróis são fulcros de aspirações coletivas como alertou Mary Del Priore, estes são sempre construção condizentes com um projeto de poder. Mera invenção. 

     Não tem como negar que, ainda que a história séria e comprometida com a ciência desconstrua a imagem heroica dos atores do passado, é nítido que houve uma hegemonia de uma interpretação a esquerda do passado ditatorial brasileiro. Entendo e defendo que isso ocorreu menos por questões ideológicas e mais por questões metodológicas: A direita no Brasil não consegue pensar muito fora do positivismo e do darwinismo social. Nem liberal ela consegue ser. Quando surge políticos e apoiadores que chamam os que tombaram lutando contra a ditadura de terroristas está muito claro que a narrativa sobre o passado está em disputa. Mas isso também revela uma triste e cruel realidade que para mim sempre esteve muito clara: nossa ruptura com o autoritarismo militar foi incompleta, propositadamente mal feita. Até por que os protagonistas deste processo foram os mesmos que iniciaram o regime autoritário.
     

Mariguella - Herói para a esquerda, terrorista para a direita. Se as duas impressões sobre o personagem são construídas por princípios ideológicos, faz sentido atribuir a alguma delas a noção de "verdadeira"?

         O curioso da história é que a memória está sempre em disputa entre os grupos que querem poder, sobretudo quando as instituições se fragilizam. Em geral, aqueles que tendem a adjetivar e generalizar sem senso crítico, buscando uma única fonte para referendar sua visão distorcida da realidade se impõem na gargalhada tosca e inculta daqueles que nada levam a sério ou na agressividade boçal e verbalizada na voz daquele que é incapaz de conviver e compreender o outro.