Sai de casa após almoçar, por volta das 14:30. Era 29 de abril de 2015. Deixei minha mãe e meus sobrinhos na escola onde os pequenos estudam música todas as quartas feiras. Dirigi até o Centro Cívico de Curitiba. Estacionei próximo ao MOM. Sai do carro com uma garoa fina caindo. A medida em que me aproximava da parte de trás da Assembleia Legislativa, eu começava a escutar bombas. Já naquele instante meu coração se enchia de angustia e eu começava a chorar. Me aproximei da praça lateral ao Palácio e vi o cordão de isolamento policial, enquanto observava a distância o início do massacre.
Comecei a chorar e me aproximei solitariamente dos policiais. Eu gritava com eles. Naquele momento de desespero, não me dei conta do risco que eu corria de ser preso ou agredido. A paixão falou mais alto que a razão. O desespero, este visceral sentimento, aniquila a racionalidade do ser em questão de segundos.
Aos policiais eu dizia sempre o mesmo texto, de forma intuitiva, externando o que sentia:
- Vocês estão do lado errado. Suas aposentadorias estão em risco. Seus oficiais estão acobertando essa canalha toda. Vocês são conhecedores de cada boca de tráfico, de fumo dessa cidade. Sabem onde ficam prostíbulos que praticam pedofilia. E sabem também que há assessores e parlamentares que estão ligados nestas práticas. Vocês sabem disso. Sabem também que nós professores vemos diariamente crianças carentes, pobres, negras, brancas, mestiças entrando no crime por que não há um médico, um psicólogo na periferia para dar atenção para elas. Nós na sala de aula lutamos sozinhos para salvar estas almas e trazê-las para cidadania, enquanto a canalha hipócrita fica sentada lá dentro tirando nossa aposentadoria e mandando vocês baterem em nossa gente, a única gente que pode fazer alguma diferença. Vocês tem filhos educados por nós, estudaram conosco. Por que aceitam fazer isso com a gente?
Uma cena chamou minha atenção. Vários policiais abaixavam a cabeça enquanto eu falava. Uns poucos que me olhavam no rosto ficavam abatidas ao ver meu choro, ouvir o que eu falava e ficavam com os olhos aguados também. Um soldado negro que deu atenção ao meu desespero não escondeu o choro e balançava a cabeça dando sinal afirmativo para cada frase minha.
Sai dali. Dei uma longa volta a pé por uma rua paralela da que passa atrás da ALEP. No caminho encontrei minha professora de química do ensino médio, aos prantos. Encontrei inúmeros colegas, muitos deles que trabalham também na rede privada. Todos estarrecidos. Tentamos nos aproximar da frente da ALEP, mas diante da desproporcional força, retrocedemos. Foi ai que vi o esdrúxulo e bizarro. A tropa de choque da PM caminhava em nossa direção, jogando bombas. Enquanto batíamos em retirada, para próximo do prédio da prefeitura de Curitiba, os policiais nos jogavam bombas de gás pimenta, lacrimogênio e efeito moral. Enquanto eu corria, via gente que ficava para trás sendo agredida em sua fuga. Pessoas se queimavam, estilhaços de bombas atingiam e machucavam os professores.
Fiquei em pé, na esquina da praça, do lado da prefeitura, próximo a um cordão de isolamento da PM, partindo do princípio que por estar perto da PM, não seria atingido. Ledo engano. O helicóptero da PM se aproximou do local e jogava do ar gás pimenta. Eu senti o quanto era hedionda essa situação, mas um pouco de frieza me dominou e fiz um vídeo acima com o celular.
Fugi para próximo ao caminhão do sindicato e ali encontrei mais outros tantos colegas, alguns que inclusive lecionaram para mim. E dali fiquei observando a distância o que ocorria, chorando tanto quanto tremo e choro agora, ao realizar a escrita desta crônica.
Jornalistas da Veja, da Folha, leitores em seus comentários alegam que nós não éramos professores, éramos petistas, cutistas, marxistas, bolivarianos. Que professores de verdade não confrontariam a lei, a ordem. Lá haviam eleitores do Aécio, da Dilma, da Marina, da Luciana Genro (eu). Haviam eleitores do Richa decepcionados e arrependidos. Haviam neo-integralistas, monarquistas, anarquistas. Aquilo foi uma manifestação democrática de uma categoria que, mesmo ideologicamente heterogênea, lutava por uma causa em comum: a garantia de suas aposentadorias e de uma educação de qualidade.
E se hoje eu faço uma crítica ao PSDB e isso magoa os eleitores do partido, peço desculpas, mas eu sou apenas um cientista, especializado em história, um homem da educação que lê, que pesquisa, que estuda a ciência política, as políticas públicas para a educação. E faço isso não por partidarismo, faço por que sou profissional sério, que busca através da transmissão do conhecimento formar uma geração de cidadãos defensores dos valores democráticos e que tenta estimular as novas gerações a participarem da política, da cidadania de maneira eticamente e moralmente mais elevada do que a imensa maioria da classe política brasileira. Se faço a crítica ao PSDB e ao seu modus operandi é por que há evidências concretas e irrefutáveis de que este partido e seus dirigentes não são adequados para melhorar o país, por que só com educação de qualidade isso é possível. E isso, talvez por quererem manter a população na ignorância e preservar seus privilégios, decididamente eles não querem.