Eu não consigo nem por sonho ser da direita "clássica", mas a esquerda muitas vezes me irrita. Ontem durante o lançamento do Privataria Tucana em Curitiba dava para contar nos dedos quantos participantes entenderam a seguinte frase "façam perguntas objetivas". A maioria ficava militando em favor de suas próprias causas e de classe. Acredito que esta não era para ser a natureza do evento.
Pois bem, continuemos. Amaury é um indignado e soube como ninguém tratar os documentos de que dispunha para mostrar que os interesses por trás da privatização não tinham nenhum suporte político e ideológico daquele tipo "o neoliberalismo vai salvar o Brasil". A campanha de desestatização fazia mais parte de um audacioso esquema imoral para promover o enriquecimento de famílias, partidos e corporações através do desmonte do Estado.
Nos anos 1990, quando isto tudo aconteceu, poucas foram as ações da população que conseguiram parar este processo. Para nós aqui no Paraná, a mais emblemática campanha anti-privatização envolveu a COPEL, mas seria ingênuo demais acreditar que o quebra-quebra no centro cívico (diga-se de passagem, LINDO. Eu lembro disso, estava lá, mas olhando a distância com medo de levar bordoadas da polícia), foi o único responsável pela preservação da empresa pública.
A discussão sobre as privatizações ainda não acabaram e muita investigação ainda deve ser feita, mas o que me incomoda é que ela não sai de dentro de núcleos específicos da direita e da esquerda.
A população em geral está cagando e andando para o tema. Ou por causa de um estupro ou por conta da Luíza, que está no Canadá. Em breve estarão pensando em outras coisas tão fúteis como estas.
Amaury tenta inflar os ânimos das pessoas incentivando-as a entrar nesta discussão utilizando-se de uma forma clássica na literatura jornalística e política: a acusação. "Estes homens estão roubando de você". É uma maneira de trazer adeptos para a sua crítica às privatizações, mas eu não consigo mensurar a eficiência deste tipo de abordagem.
Se a idéia é discutir o tema da privatização, ainda se faz necessário esclarecer a população, sobretudo a mais jovem, a decidir por si só se querem ou não um Estado mais ou menos interventor. Explicar objetivamente o que representam estes modelos de Estados. Sou defensor de um maior intervencionismo estatal, mas não gosto da doutrinação. No exercício da minha profissão de educador, penso que o que é necessário ser feito é a emancipação intelectual dos jovens, para que possam decidir por si só o que acham mais correto como diretriz política. Inclusive, a partir da educação é possível inserir um princípio moral que DEVERIA nortear a prática política. O interesse da POPULAÇÃO, democraticamente representada TEM que estar acima dos interesses individuais ou corporativos. Se vamos privatizar aeroportos, que decidamos em plebiscitos.
Tanto esquerda quanto direita precisavam, ironicamente, ser mais liberais. Eis a grande contradição. Seus conservadorismos políticos criados a partir de doutrinações corruptoras da liberdade de escolha são em essência, antidemocráticos. Os meios que os dois lados utilizam para tirar a legitimidade do seu antagonista são tão dogmáticos quanto acreditar que um pedaço de pão redondo é o corpo de Cristo. Só há debates entre os dois pólos, na hora que querem e apenas entre eles. Quem não quer se identificar com as cores vermelha ou azul-amarela acaba tendo sua voz sufocada pelos dois lados, que colocam suas ambições e projetos de poder acima da vontade (ou falta de vontade) da população. E quando núcleos dos dois grupos se reúnem o que temos é doutrinação anacrônica e panfletária.
O lançamento do livro, a meu ver, seria mais útil se as questões fossem sobre a composição do livro, as repercussões, projetos futuros do escritor. Questões como estas apareceram, mas não foram o foco do evento. O autor havia deixado claro na web, semanas atrás, que estava disposto a fazer um livro mostrando as conexões entre a grande mídia e os partidos políticos ligados aos demo-tucanos, desmascarando os veículos de informação. Outra coisa que ele havia pronunciado noutro momento era tornar pública a guerra interna no PT, tema, aliás, que ficou extremamente distante do "debate" do lançamento do livro. Tudo isso poderia ser explorado melhor se não fossem os espíritos doutrinadores assumindo o controle dos microfones.
Eu, em destaque : ) |
Se por um lado a presença massiva de uma militância no evento de "perguntas e respostas" me irrita, fico feliz por que ainda existem pessoas aguerridas e dispostas a brigar por um ideal. Se me perguntarem o que penso sobre privatizações pressupondo que sou contra, decepcionar-se-ão. Nem tudo precisa de fato ficar nas mãos do Estado. Mas é necessário sim que outros eventos como este ocorram e que todos tenham uma percepção de qual é o papel do Estado na contemporaneidade. Se ele deve ou não ser interventor. Além disso, as pessoas precisam se articular para cobrar das elites políticas posturas que tenham a ver com o voto e a mente do eleitor. Quanto mais tivermos pessoas convictas de seus ideais, mas dispostas a viver a política fora do ambiente da doutrinação dogmática, abrindo-se para a diversidade da vida política, melhores podem ser os processos que conduzem à criação de um modelo de direção para o Estado. E mais transparentes as coisas podem ficar. Por hora, ainda é necessário fazer uma limpeza e acabar com a corrupção que assola a vida política brasileira.
E, finalizando, queria tanto enxergar no Amaury um Marat e no Protógenes um Robespierre, mas isso não é possível nem em sonho. Eu queria ter a coragem destes personagens históricos para pedir à população a cabeça de um Maluf, Collor, Sarney.